Filho de Domício Enobarbo com Agripina, filha de Germânico, pai de Calígula. Nero nasceu em Âncio, nove meses após a morte de Tibério. Entre muitas coisas horripilantes ao seu nascimento, uma frase de próprio pai, selaria o próprio destino de Nero: “Dele e de Agripina nada podia nascer que não fosse detestável e funesto ao bem público”.
Sinal evidente do seu destino calamitosos apareceu no dia da sua purificação – espécie de batismo – Agripina pressionava Caio Calígula para que escolhesse o nome do bebê. Ele então voltou os olhos para Claudio, seu tio, dizendo que ia dar ao pequeno o seu nome. Agripina não aceitou, porque Claudio era então joquete da corte, pois não lhe levavam a sério.
A própria Agripina pôs o nome de Nero. Aos três anos morreu o seu pai, Domício. Herdeiro da terça parte da herança não a recebeu, pois Calígula, seu primo e co-herdeiro, confiscou todos os bens.
Nesse meio tempo, Agripina foi banida da corte, vendo-se sem recursos, procurou a casa de sua tia Lépida, onde teve por professores de Nero um dançarino e um barbeiro.
Com a morte de Calígula, subiu ao trono romano seu tio, Claudio. Com isso, ela recuperou todos os bens deixados por seu pai Germânic, como também enriqueceu com a herança do seu padrinho Crispo Passieno.
Ainda em terna idade, antes mesmo de sair da infância, era um dos atores mais assíduos dos jogos troianos do circo. Aos 12 anos foi adotado por Claudio e confiado ao Senador Sêneca à sua educação.
Logo cedo, Nero mostrou-se falso e dissimulado em seu caráter. Pois, prestou testemunho na sua presença contra sua tia Lépida, que o acolheu na infância, para agradar sua mãe, que a perseguia nos tribunais.
Estreou nas funções públicas como prefeito de Roma, posto pelas mãos de Claudio. Pouco depois, casou-se com Otávia. Tinha 17 anos quando a morte de Claudio foi anunciada oficialmente. Dai como herdeiro ao trono apresentou-se a frente dos guardas e foi saudado como Imperador diante das escadarias do Palácio.
Concedeu a Claudio magníficos funerais. Rendeu homenagem à memória de seu pai Domício, e entregou à sua mãe Agripina a administração soberana de todos os negócios públicos e privados. Dai, passou a andar com ela em público, em sua liteira.
Na ânsia de dar uma ideia nítida de que seria um bom governante, declarou que: “reinaria de acordo com os princípios de Augusto”. Era amável e demonstrava clemência em tudo. Aboliu impostos pesados. Reduziu os prêmios dados aos delatores. Distribuía dinheiro aos pobres, dentre outras bondades.
Ofereceu espetáculos de todos os gêneros. Assistia às lutas do alto de seu proscênio. Nos combates de gladiadores não mandou matar ninguém, nem mesmo entre os criminosos.
Após algum tempo, não sentava mais no proscênio. Como, porém, resolveu depois ficar deitado apreciando os jogos por pequenas aberturas. Às vezes assistia nos pódios inteiramente abertos. Na consagração de seus termas e do seu ginásio, deu lugares de honra aos senadores e cavaleiros.
Fez um grande espetáculo em Roma, a entrada de Tiridate rei da Armênia, que veio render subjugação ao Império Romano. Primeiramente, Tiridate subiu os degraus da escada do trono e ajoelhou-se. Nero, tomando-o pela mão, ergueu-o e lhe cobriu de beijos.
Nas suas funções judiciárias, quase não respondia aos litigantes, senão no dia seguinte e por escrito. Durante as audiências, ao ouvir as partes, não obedecia ao agendamento, mas à ordem de chegadas. Todos os recursos de todos os julgamentos ficaram a cargo do Senado.
Entretanto, o que ele dava maior valor era a música, dança e artes em geral. Pouco a pouco, ele começou a praticar e exercitar o lado artístico, sem omitir nenhuma das precauções habituais dos artistas. Para a conservação da voz e aumento de seu volume, deitava-se de costas, resguardando o peito com uma folha de chumbo.
Tomara clisteres e vomitórios. Abstinha-se de frutas e comidas pesadas, apesar da voz fraca e roufenha. Estreou em Nápoles, e, encantado com jovens artistas de Alexandria que o louvavam, mandou trazer mais habitantes daquela cidade egípcia.
Enquanto cantava, meninos notáveis pela cabeleira abundante e o singular modo de vestir, prestavam serviço. Cantava, também, usando máscara dos deuses e dos heróis e a da mulher por ele amada no momento.
Conta-se que quando ia dar espetáculos, mulheres grávidas chegaram a dar luz no local e que muitos homens, cansados de ouvir e de aplaudir, encontrando as portas fechadas, pulavam escondidos do alto dos muros do palácio, ou fingiam-se de mortos para serem carregados para fora.
Certa vez entrou em Roma, na carruagem que outrora pertencia aos triunfos de Augusto, vestido em um manto púrpura, com uma clâmide respingada de estrelas de ouro, à testa a coroa olímpica e a pítica na mão direita. Testemunhava sua amizade e declarava seu ódio ás pessoas de acordo com a quantidade dos louvores que recebia.
A petulância, a libertinagem, o luxo, a avareza e a crueldade, foram os vícios a que se entregou do corpo e alma desde sua juventude.
Ao anoitecer, gostava de sair com um gorro ou um barrete na cabeça, percorrendo as tavernas dos bêbados, se passando por um simples vagabundo. Chegava às vezes a arrombar as portas de pequenas bodegas para roubá-las para satisfazer sua índole abjeta.
Porém, com o crescer dos vícios, abandonou as brincadeiras e os mistérios de mau gosto e, sem preocupação de esconder, começou a fazer os mais incríveis excessos. No Circo Máximo era servido nas refeições pelas prostitutas e tocadoras de flauta. Isso sem falar das relações sexuais com homens livres e das suas libidinagens com mulheres casadas.
Esforçou-se para transformar o jovem Esporo em mulher, arrancando-lhe os testículos. Carregou-o em régia-pompa, observando todos os ritos esponsalícios e o tratou como sua verdadeira mulher. Ou seja, castrou Esporo e se “casou” com ele.
Paramentou Esporo com os adornos das imperatrizes, conduzindo-o em sua liteira pelas ruas, cobrindo-o de beijos.
Ninguém duvidava que Nero desejasse coabitar com a sua própria mãe Agripina. Toda vez que andava de liteira com sua mãe satisfazia seus apetites incestuosos e provava esse fato com as manchas apresentados em suas vestes.
Prostituiu seu corpo a tal ponto que, maculados quase todos os membros, e como espécie de divertimento, cobria-se com uma pele de fera e ficava numa jaula, de onde se lançava, ao sair, às virilhas de homens e mulheres atados a um poste.
Depois de saciada a sua raiva, abandonava-se nos braços do criado Dorífero, que chegou a ser sua mulher. Como Esporo o fora também imitando com gritos e gemidos as virgens violentadas.
Considerava sórdidos e avarentos os que faziam contas das suas despesas. O que ele louvava e admirava no seu tio Caio Calígula, e que considerava como a sua mais alta glória, era justamente ter dissipado em pouco tempo as formidáveis riquezas deixadas por Tibério. Jamais usou duas vezes a mesma roupa. Gastava fortunas em construções luxuosas.
Com ciúmes de seu tio Britânico, cuja voz era mais agradável do que a sua e temendo de que um dia a lembrança do pai – Claúdio – o fizesse querido e preferido do povo, resolveu envenená-lo. O veneno foi preparado por Locusta, célebre envenenadora. Na primeira tentativa Locusta fez apenas um fraco veneno que provocou apenas cólicas em Britânico.
Nero ficou furioso e surrou Locusta com suas próprias mãos. Forçando-a preparar outro veneno dentro do seu próprio quarto. Deste modo, com ordens de Nero, levaram o veneno e o serviram a Britânico, que jantava com o próprio Nero. Morreu na hora. Locusta recebeu como pagamento vastas terras e muitos escravos.
Agripina, sua mãe o espreitava e criticava seus atos. Em várias ocasiões, ela o repreendeu publicamente. Para se vingar disso, Nero retirou-lhe a guarda de soldados e a expulsou de Roma. Foram três tentativas de envenenamento na intenção de matá-la. Só que Agripina tomava antídotos.
No quarto mandou construir um teto falso, que iria cair em cima de Agripina quando estivesse dormindo. Não deu certo, pois o plano fora revelado pelos confidentes de Agripina.
Tentou matá-la numa viagem de navio preparado para afundar. No momento da despedida, Nero cobriu-lhe de beijos até a ponta dos seios. Não deu certo, o navio afundou, mas, Agripina se salvou o nado. Por fim, tramou o assassinato da mãe, morta por mercenários a seu serviço.
Confessou muitas vezes que o espectro da sua mãe o perseguia com os chicotes e as tochas de fogo das Fúrias.
Afora Otávia, teve duas outras esposas. Popéia Sabina e Estatília Messalina, esta última era casada com Ático Vestino, cônsul no exercício de seu cargo. Logo depois de tentar várias vezes estrangulá-la, alegou que ela era estéril. O povo não aprovava o divórcio e não lhe poupava críticas. Finalmente mandou assassiná-la sob a acusação de adultério.
Como essa calúnia era vil e infame, todos sustentaram a inocência de Otávia. Diante disso, mediante suborno, obrigou seu pedagogo Aniceto a confessar no tribunal ter abusado dela por meio de artifícios. Popéia, com quem casou-se doze dias após o divórcio de Otávia, matou-a também com um pontapé quando estava grávida.
Sob pretexto de conluios conspiradores, assassinou Antônia, filha do falecido Claudio, que recusara casar-se com ele. Não houve nenhum parentesco que ele não tivesse matado. Entre estes estava o jovem Aulo Pláucio, a quem ele violentou antes de enviá-lo a morte dizendo: “Minha mãe, agora queira meu sucessor” querendo dizer com isso, que Aulo Pláucio tivesse sido amante de Agripina.
Matou Rúfio Crispino, filho de Popéia e seu enteado, só porque brincava de governar e comandar, afogado no mar por escravos a mando de Nero. Matou Exílio Tusco, filho de sua ama de leite. Obrigou Sêneca, seu mestre e preceptor a suicidar-se. Para o prefeito de Roma, chamado de Burro, em vez de mandá-lo remédio para a garganta, enviou-lhe veneno, matando-o. Matou Cássio Longino, por ter conservado numa velha árvore genealógica da sua família, as imagens de Caio Cássio, um dos Senadores assassinos de Júlio César.
Não perdoou nem ao povo nem as muralhas de Roma. Daí, simulando descontentamento com a feiura dos antigos edifícios, com a estreia e a tortuosidade das ruas, incendiou Roma, de forma tão acintosa, que o flagelo exerceu seu furor durante seis dias e sete noites.
Enquanto a cidade incendiava, ele contemplava do alto da torre de Mecenas, extasiado com a beleza do fogo. E cantou vestido com trajes de teatro, A ruína de Tróia.
Agiu rápido, para enganar, prometendo retirar gratuitamente os cadáveres e remover os escombros. Este incêndio despertou a ira do povo, aliada as fragorosas derrotas dos exércitos romanos na Bretanha. Derrota vergonhosa no Oriente. A paciência acabou no Senado, que depois de ter suportado durante quase 14 anos, Nero foi abandonado.
Além disso, vivia aterrorizado com os presságios sinistros. Sonhou com a morte de Agripina. Com Otávia, sua mulher, que o arrastava por entre trevas. Ora via-se coberto por uma nuvem de formigas aladas. Um cavalo das Astúrias, que ele gostava muito, apareceu-lhe com corpo de macaco. Do Mausoléu de Augusto, cujos portos se abriram sozinhos, ouviu sair uma voz que o chamava pelo nome. Enquanto essa loucura não parava, chegava-lhe as notícias de deserção e de derrotas das legiões romanas.
Em meio ao inferno, chamou Locusta pra preparar-lhe veneno, depositou-o numa caixa de ouro e saiu em passeio pelos jardins. Chegou aos tribunos e centuriões que o acompanhassem numa frota em fuga. Muitos hesitaram e outros se negaram.
Chegou a pensar em renunciar, mas teve medo de ser linchado antes de chegar ao Fórum. Deixou a decisão para o dia seguinte. Ao acordar, por volta da meia-noite, percebeu que a sua guarda militar o havia abandonado. Saltou da cama e mandou procurar os amigos. Não havia mais nenhum para lhe apoiar. Foi pessoalmente bater nas portas dos amigos, nenhuma se abriu.
Voltou para o seu quarto de onde os guardas haviam saído, levando até as cobertas e sua caixa de veneno. Rapidamente mandou que alguém procurasse o gladiador Espículo ou outro qualquer matador. Não encontrou nenhum. Tentou correr para se precipitar no Rio Tibre, mas não teve coragem. Resolveu fugir montado a cavalo, pés descalços, metido num manto desbotado, a cabeça coberta, um lenço cobrindo-lhe o rosto e acompanhado de quatro pessoas somente, entre os quais se achava Esporo. Na fuga, seu cavalo espantou-se em virtude de um cadáver na estrada, fazendo com que seu rosto se descobrisse, sendo assim reconhecido por um viajante.
Chegou a uma vereda, deixou o cavalo e saiu correndo por um canavial, fazendo com que suas roupas se rasgassem nos espinheiros. Entrou às escondidas numa vila e tomou água dum lamaçal e se escondeu numa casa velha, castigado pela fome e pela fome e pela sede.
Chegaram pessoas para vê-lo naquela desgraça, foi quando pediu que cavassem na terra um buraco do tamanho de seu corpo. Enquanto cavavam o buraco chorava e repetia: “Que artista vai morrer comigo”. Nisso chegou uma carta de Roma.
Nero leu e ficou sabendo: “Que ele havia sido declarado inimigo público pelo Senado e que estava sendo procurado para receber a punição, de acordo com o costume dos antigos”. Ao saber que se atava ao pescoço do paciente uma forquilha e o vergastavam até expirar, ficou apavorado. Tirou dois punhais e experimentou a ponta de ambos. Pedia que alguém o encorajasse a suicidar-se. Esporo, o seu grande amigo era por ele aconselhado a chorar. Em meio a lamentos e covardia, ainda queria se impor como um homem forte. Porém, ao saber da aproximação dos soldados com a missão de conduzi-lo vivo, bradou em grego: “O tropel dos velozes cavalos aturde-me os ouvidos”.
Em seguida, sacou o punhal e enterrou na garganta com a ajuda de seu secretário Epafródito. Achava-se ainda semivivo ao irromper um centurião, que apenas colocou o seu manto no ferimento e apreciou a morte de Nero.
Era de estatura mediana. Corpo coberto de sinais disformes. Cabelo pendendo para louro. A figura mais bela do que agradável. Olhos azuis e vista fraca. Pescoço grosso, ventre proveniente, pernas muito finas, saúde excelente, pois, apesar da excessiva devassidão em todo os quatorze anos de reinado, não adoeceu mais do que três vezes, mesmo assim sem se abster do vinho e das extravagâncias. Morreu aos 32 anos de idade, no mesmo dia em que mandou assassinar sua mulher Otávia.
FANTÁSTICO